5 de set. de 2011

Aspectos da Psicanálise nos contos de fadas

Aspectos da Psicanálise nos contos de fadas

Karina Paolucci
Pedagoga com especialização em Educação Infantil pela Universidade Pontifícia Católica – PUC e Pós-Graduanda em Psicopedagogia

 
          


A literatura infantil e os contos de fada são relevantes para a identificação do que é bom ou mau, feio ou bonito, fraco ou forte na mente das crianças. 

A opinião de Bettelheim "os contos de fada são o que há de melhor em literatura infantil". A criança deve ter pleno entendimento dos contos de fada, por intermédio de uma estrutura simples que apresente histórias claras e personagens bem definidos em suas características pessoais, facilitando sua identificação com o bom ou mau, feio ou bonito, etc., atingindo a mente da criança, entretendo-a e estimulando sua imaginação, como nenhum outro tipo de literatura talvez seja capaz de fazer.


Os contos de fada tratam de problemas humanos universais como a solidão e a necessidade de enfrentar a vida por si só, de maneira simbólica. Neste sentido, ajudam a criança no mais difícil em sua criação: dar um sentido à vida.
Assim, contribuem para:

• a formação da personalidade, por referir-se a problemas interiores;
• sugerir soluções simples que promovam o desenvolvimento de recursos internos para que a criança possa enfrentar as dificuldades da vida envolvidas em seu crescimento.
Mas que significado tem cada conto de fada? Bettelheim faz um estudo bastante interessante sobre diversos contos:

"Adverte que cada criança absorverá um significado próprio, dependendo do momento pelo qual passa e de suas necessidades internas, sendo que um mesmo conto poderá ter significados diferentes para a mesma criança, considerando-se as diversas fases de sua vida".

Desta forma, não dá para saber qual agradará mais uma criança pelo seu significado. Ela é quem sabe o que quer ouvir.

Continuando com Bettelheim:

"Diante da leitura de um conto que os próprios pais escolheram, será fácil identificar se foi do agrado do pequeno ouvinte ou não, pela sua reação ou insistência para que lhe contem outra vez. Como o significado atinge a mente em um nível pré-consciente, mesmo sendo claro para quem o lê, não deverá ser interpretado para a criança, para que não perca seu encanto e o sabor de descobrir os caminhos para enfrentar a vida sozinha. Só ela saberá quando revelar algo que esteja fora de sua consciência".

Há quem questione os contos de fada por se referirem ao fantástico e não à realidade. Esse aspecto constitui uma vantagem, pois, segundo Bettelheim:
"facilita a compreensão das crianças por se aproximarem mais da maneira como vêem o mundo, já que ainda são incapazes de compreender respostas realistas". Não se pode esquecer que as crianças dão vida a tudo. Para elas o sol é vivo, a lua é viva, assim como todas as outras coisas.


Uma outra questão diz respeito à forma que os contos de fada influenciam profundamente no desenvolvimento das crianças, pois, no momento que passam a ter contato com esse tipo de leitura, iniciam um processo de construção do "eu". Os contos despertam a imaginação e a fantasia, possibilitando que elas façam o processo de individualização e de autovalorização. Desta forma, vão tornando conscientes, através da fantasia, as situações inconscientes.

Por isso, Bettelheim faz referência da relação que a criança estabelece entre seu crescimento e o desenvolvimento da natureza. Para ela parece natural que as plantas cresçam e a terra as alimente como fez sua mãe com o peito. Vê a terra como uma mãe ou uma deusa feminina. Neste sentido os contos de fada contribuem fazendo a ligação entre a fantasia da criança e a elaboração dos conceitos necessários para seu desenvolvimento sadio.

Bettelheim questiona e afirma que os livros ilustrados são ineficazes porque distraem e dispersam as crianças, impedem-nas de fazer o processo de elaboração da fantasia a partir da história. O ato de ler ou escutar, sem ver a ilustração, possibilita e exige da criança e dos adultos um esforço voltado ao ato de fantasiar e descrever a partir de sua imaginação:

"Os contos de fadas são importantes na medida em que permitem com que a criança, através da associação livre, faça um processo de entendimento e superação dos conflitos internos. Isso só é possível quando todos os pensamentos mágicos da criança estão personificados num bom conto de fadas, seus desejos destrutivos, numa bruxa malvada: seus medos, num lobo voraz; as exigências de sua consciência, num homem sábio encontrado numa aventura; suas raivas ciumentas, em algum animal que bica os olhos de seus arqui-rivais, desta forma, a criança começa a ordenar essas tendências contraditórias e alivia seus temores e suas angústias".
A integração do ser humano com a natureza aparece em quase todos os contos. O ser humano só consegue superar e resolver seus problemas relacionados à desintegração interna, no momento que busca na natureza, representada nos contos pelos animais que falam, pelas plantas que ouvem e emitem opinião, pela água que acolhe e dá segurança, e por tantos outros elementos que interagem com o ser humano na busca da superação dos conflitos internos.


Esta característica dos contos de fada consiste na função principal do conto, que é integrar o ser humano e mostrar caminhos frente às dificuldades. A liberdade é uma busca de superação da dependência, a segurança é a superação do medo, a esperança é a resposta frente à necessidade da independência. Assim percebemos que os contos de fada sempre finalizam com estes pressupostos otimistas e animadores, mostrando que é possível realizar as fantasias e superar a ansiedade.

Para provar isto, Bettelheim cita os contos dos irmãos Grimm, que mostram esta perspectiva de superar as dificuldades, pois na floresta escura o herói do conto de fadas freqüentemente encontra a concretização de nossos desejos e ansiedades; por outro lado, gostaríamos de ter o poder da bruxa, da fada ou da feiticeira, e usá-lo. E temos medo que os outros tenham tais poderes e os usem contra nós.

Dessa forma, deve-se compreender que as falsas esperanças freqüentemente nos atraem, quando se faz de conta que tudo que se busca é uma existência independente.

Segundo o autor, os contos de fada foram banidos, por alguns pais e educadores, do processo pedagógico e formativo, devido à interpretação equivocada do comportamento infantil. Essa interpretação, feita pelos adultos, não respeita o entendimento infantil e sim responde às dúvidas dos adultos e os protegem diante da ambivalência da personalidade infantil.

Os pais, por falta de informação, passaram a ter medo que as crianças não consigam fazer a distinção entre o real e o imaginário fantasioso. No entanto, o autor mostra e afirma que, quando sadias, elas conseguem fazer a passagem da fantasia para a realidade e encontram nos contos de fada substrato suficiente para elaborar essa transposição. A dificuldade dos adultos se encontra no entendimento sobre a verdade, pois a criança, que está desprovida de resistências, é verdadeira e direta, e por isso não omite, nem camufla a verdade. Elabora seus conceitos de verdade a partir da fantasia infantil e progressivamente vai fazendo o processo de passagem da fantasia para a verdade e, antes que a criança chegue a controlar totalmente a realidade, deve ter algum esquema de referência para aliviá-lo. Esse esquema pode ser os contos de fada.


Outro aspecto que provocou certo descrédito nos contos de fada foi a descoberta da Psicanálise e da Psicologia infantil. Estas descobertas revelaram que a imaginação da criança é violenta e ansiosa, destrutiva e até mesmo sádica. Neste sentido, a criança pode tanto amar seus pais, como odiá-los, dependendo das relações afetivas e da confiabilidade estabelecidas entre eles. A criança tem sentimentos ambivalentes com relação a seus pais. Ela não aceita como correta apenas uma visão unilateral e limitada dos adultos e da vida, mas dispõe de alternativas inconscientes, capazes de superar grandes traumas.

O inconsciente é a fonte de matéria-prima e a base sobre a qual o ego constrói o edifício de nossa personalidade.

No terreno das emoções nascem as expectativas dentro de um mundo localizado necessariamente no "mundo das crianças". Dessa maneira, estão presentes a magia, o pensamento lógico, a formação do espírito infantil. O pensamento mágico diz respeito à imaginação da criança na forma de:
• mitos;
• lendas;
• figuras de animais;


vícios;
virtudes.


Portanto, tudo o que permeia a natureza da magia e que atrai de forma espontânea a imaginação da criança.

Essa natureza mágica que os contos possibilitam também está contida em outras formas de literatura que a humanidade, desde a Antigüidade, busca para tentar compreender o sentido de sua existência e de suas emoções no cotidiano de sua vida. São os mitos e as fábulas. A respeito disso, Bettelheim afirma que há diferenças entre mito, fábula e conto, sendo que:

"O mito busca fora da realidade visível, e interna e apela para o sobrenatural na tentativa de explicar o universo, o funcionamento da natureza e a origem dos valores básicos do próprio indivíduo. As fábulas são consideradas atividades da imaginação que consistem em produzir relatos fictícios sem a preocupação de explicar a realidade. Os contos dispõem de elementos ligados aos mitos e as fábulas, porém, se distinguem pelo caráter otimista e esperançoso que transparece em sua estrutura. Os mitos envolvem solicitações do superego em conflito com uma ação motivada pelo id, e com os desejos autopreservadores do ego, gerando uma sobrecarga no indivíduo frágil e incapaz de enfrentar os deuses".

No pensamento lógico, segundo Coelho , "a literatura fantasiosa foi a forma privilegiada da literatura infantil. As forças da fantasia, do sonho, da magia, da imaginação, do mistério etc.". O maravilhoso mundo da fantasia volta-se para a literatura. Assim, a literatura infantil, por meio dos contos de fada, pode ser decisiva para a formação das crianças em relação a si mesmas.

Partindo-se dessa premissa, pode-se perceber que os contos de fada não têm simplesmente a função de divertir e distrair as crianças, mas têm também a
dimensão pedagógica e psicológica de esclarecer e integrar os sentimentos, e de elaborar conscientemente os sonhos e as fantasias infantis.


Por serem otimistas e transmitirem uma mensagem de felicidade e realização, os contos de fada se aproximam da realidade das crianças, que buscam e necessitam de imagens simbólicas.

Sobre a linguagem, Vygotsky orienta que, antes de pensamento e linguagem se associarem, existe, também, na criança pequena, uma fase pré-verbal no desenvolvimento do pensamento e uma fase pré-intelectual no desenvolvimento da linguagem. Antes de dominar a linguagem, a criança demonstra capacidade de resolver problemas práticos, de utilizar instrumentos e meios indiretos para conseguir determinados objetivos. Nessa fase de seu desenvolvimento, a criança, embora não domine a linguagem enquanto sistema simbólico, já utiliza manifestações verbais.

Quando os processos do desenvolvimento do pensamento e da linguagem se unem, surgindo, então, o pensamento verbal e a linguagem racional, o ser humano passa a ter possibilidade de um modo de funcionamento psicológico mais sofisticado, mediado pelo sistema simbólico da linguagem. A criança, na fase pré-verbal, exibe essa espécie de inteligência prática, que permite a ação no ambiente sem a mediação da linguagem.

A compreensão dos contos de fada na mente das crianças leva-as a alguns valores da conduta humana ou do convívio social. Ainda segundo Coelho,

"a Psicanálise contida através das histórias leva a criança a se identificar com o herói bom e belo, não devido a sua bondade ou beleza, mas por sentir nele a própria personificação de seus problemas infantis: seu inconsciente desejo de bondade e de beleza, e principalmente suas necessidades de segurança e proteção".
Em síntese, os contos de fada têm por objetivo mostrar a importância de sua interpretação para o entendimento do comportamento infantil, a partir da imaginação, da fantasia, da recordação e de tantas outras dimensões que se escondem atrás da completa capacidade humana de entender e encontrar sentido para a vida.


Portanto, ler e interpretar os contos de fada a partir de uma visão psicanalítica é uma das maneiras possíveis que as pessoas encontram de construir o sentido de sua existência. Conforme Coelho, "... os contos de fada podem ser decisivos para a formação da criança em relação a si mesma e ao mundo a sua volta. O maniqueísmo que divide as personagens em boas e más, belas e feias, poderosas e fracas, etc., facilita à criança a compreensão de certos valores básicos da conduta humana ou do convívio social".

Entende-se que a literatura infantil, valendo-se do modo de contar histórias, é o caminho mais apropriado de possibilitar à criança o desenvolvimento cognitivo, afetivo e social. Afinal, muitas vezes uma história poderá refletir no emocional momentâneo da criança: perdas e buscas; carências; medos; autodescobertas; afetividade e a principal de todas, a descoberta da dificuldade de ser criança.

A criação dos contos de fadas surgiu do trabalho de alguns escritores e pesquisadores que buscavam nos contos do povo e até mesmo na própria infância, a literatura.

Sobre isso, Bettelheim enfatiza que,

"explicar para uma criança por que o conto de fadas é tão cativante para ela, destrói, acima de tudo, o encantamento da história, que depende, em grau considerável, de a criança não saber absolutamente por que está maravilhada. E, ao lado do confisco deste poder de espantar, vai também uma perda do potencial da história em ajudar a criança a lutar por si e dominar exclusivamente por si só o problema que fez a história significativa para ela".


Referência bibliográfica:


BETTELHEIM, B.

A psicanálise dos contos de fadas. São Paulo: Ed. Paz e Terra, 2002.



AUTISMO




26 de novembro de 2009





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“O Capitão AVAPE contra o Fantasma Autismo”


Este manual foi elaborado pelo Grupo de Saúde Mental da AVAPE (Associação para Valorização de Pessoas com Deficiência), em parceria com o Projeto Distúrbios do Desenvolvimento do Instituto de Psicologia da USP, com o objetivo de informar e esclarecer as pessoas sobre o autismo.
O autismo, para fins diagnósticos, é encontrado no DSM IV-TR e na CID 10, dentro da classificação dos Transtornos Invasivos do Desenvolvimento.
O conceito mais utilizada desde 2001 é “continuum autistico”, sendo também evidenciado como transtorno do espectro autista. Contudo, clinicamente, para pais e cuidadores, a linguagem coloquial de fácil entendimento usualmente utilizada é Autismo.
Por meio de uma linguagem simples e acessível, o Manual expõe as principais características de diagnóstico do autismo, que podem ser observadas pelos pais e cuidadores desde a primeira infância. Este volume abordará o que é o Autismo e como evidenciá-lo precocemente. E no próximo episódio, confira: “O Capitão AVAPE contra o Fantasma Autismo - Parte 2: o combate”.

Boa leitura,
Grupo de Saúde Mental da AVAPE



Expediente

Presidente da AVAPE:

Sylvia Cury

Editor de Arte:
Juarez Corrêa
juarezsbc@yahoo.com.br

Redação:
Grupo de Saúde Mental AVAPE (Dr. Claudio Gomes, Dr. Marcio Falcão, Dr. Francisco Assumpção, Julianna Di Matteo, Roseli Paicheco, Simone Cucolichio, Carolina Padovani).

Comitê Editorial:
Dr. Claudio Gomes, Dr. Marcio Falcão, Dr. Francisco Assumpção, Eliana Victor, Juliana Di Matteo, Roseli Paicheco, Simone Cucolichio, Carolina Padovani, Valquíria Barbosa, Gisele Achkar, Giovana Batistella.

Diagramação:
Mariana Dahrug

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E-mail: avape@avape.org.br
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REVISTA DE NEUROPSIQUIATRIA


Revista Infanto - Revista de Neuropsiquiatria da Infância e Adolescência

Confira as vinte e duas edições completas da revista Infanto - Revista de Neuropsiquiatria da Infância e Adolescência (vinte edições regulares e duas edições especiais) publicadas no período de Setembro de 1993 (vol.1, n°1) a Dezembro de 1999 (vol.7, n°3).
Cada edição contém todo o material científico do respectivo exemplar impresso, incluindo os artigos, a capa e o editorial da edição.





www.psiquiatriainfantil.com.br/revista/edicoes



MAU COMPORTAMENTO E AGRESSIVIDADE NA INFÂNCIA

MAU COMPORTAMENTO E AGRESSIVIDADE NA INFÂNCIA
 
Susan Meire Mondoni *

 
Muitas crianças agressivas ou com mau comportamento apresentam, na verdade, um sofrimento psíquico. Ao contrário do que se pensava, os transtornos mentais podem iniciar-se já na fase infantil, sendo então bastante devastadores na vida do indivíduo.
A alteração comportamental é uma das maneiras mais comuns de a criança manifestar: tristeza, medo, ansiedade, inveja, baixa auto-estima, ou sofrimentos psíquicos de outra natureza.
É incomum que a criança consiga verbalizar seu sofrimento. Ela ainda não possui linguagem e pensamento amadurecidos para isso. Isto acontece porque a criança encontrase ainda em DESENVOLVIMENTO e, a imaturidade dos seus sistemas nervoso e emocional faz com que ela tenha muito mais manifestações corporais do que verbais.
As crianças podem tornar-se agressivas, terem queda de seu rendimento escolar ou mesmo mudarem sua "personalidade" em decorrência de um estresse emocional ou até mesmo um transtorno psiquiátrico mais sério.
O mau-comportamento deve servir de alerta aos pais, para procurarem ajuda para seus filhos. O diagnóstico e tratamento precoces podem evitar isto!
Costumamos graduar o mau-comportamento de crianças e adolescentes segundo a seguinte escala:
1. desobediência;
2. mentira;
3. roubo;
4. cabular aula;
5. fuga;
6. destruição;
7. incendiarismo;
8. abuso de drogas;
9. crueldade;
10. violência.
Esta escala descreve uma evolução do mau-comportamento em termos de gravidade e de evolução ao longo da vida, ou seja: crianças pequenas que começam a apresentar desobediência, poderão usar drogas e cometer atos violentos na adolescência.
1 - Desobediência - desobedecer significa contrariar a autoridade do outro, quer sejam os pais, professor, etc. Ela pode se manifestar de diversas maneiras:
- passividade: a criança ouve, fica quieta e faz o que quer;
- enfrentamento pela negativa: "não quero"; "não vou";
- negativismo, ou seja, agir pelo não: faz exatamente o contrário do que lhe foi solicitado.
Muitas crianças pequenas desobedientes apresentam, na verdade, o que chamamos Transtorno Opositor Desafiante: é um padrão constante e repetitivo de enfrentamento e desobediência, que acaba por interferir no desenvolvimento da personalidade da criança, tornando-a susceptível a desenvolver comportamentos mais sérios na adolescência/ vida adulta, como uso de drogas ou delinqüência.
2 - Mentira - é uma atitude voluntária de falsificar a verdade. Começa a aparecer em geral, após os 3 anos de idade. Antes disso, o que temos são fantasias e não mentiras propriamente ditas.
Existem 3 principais motivos que levam uma criança a mentir:
- quando teme alguma coisa (apanhar, por exemplo): quando as crianças não têm muita liberdade para expressarem seus sentimentos ou ações (um ambiente muito repressor e/ou violento), acabam aprendendo a mentir como forma de receberem menos punições;
- quando quer alguma coisa: ambientes que nunca gratificam a criança podem fazer com que ela passe a mentir ou até simular doenças, para conseguir o que quer;
- quando quer mostrar que conhece a falsidade: pessoas que cuidam de crianças (pais, cuidadores, professores, etc) e que possuem o hábito de mentir, inventar histórias, prometer coisas que depois não cumprirão, podem fazer com que as crianças passem a apresentar este mesmo tipo de comportamento, como espécie de imitação.
3 - Roubo - a partir dos 2 anos, a criança passa a ter noção do "meu" e do "teu"; dos 3 para 4 anos, ela passa de fato a ter noção de propriedade e, portanto, todo roubo que ela passar a realizar a partir daí, será consciente e acompanhado da noção de culpa.
Devemos avaliar o que a criança rouba: é menos grave roubar um objeto bonito e que lhe chame muito a atenção do que roubar um objeto do cotidiano, que não tenha nenhum atrativo visual. Assim, não devemos medir a gravidade do ato de roubar de uma criança pelo valor do objeto mas sim, pela compreensividade de aquele objeto ter despertado o interesse e a curiosidade daquela criança. Assim, roubar um lápis pode ser mais grave do que roubar um enfeite qualquer de cristal.
4 - Cabular aulas - mais comum em crianças maiores, a partir do 6º. ano (antiga 5ª. série) do ensino fundamental. Esta "transgressão" pode estar associada a uma série de fatores: impaciência em permanecer na sala de aula; não acompanhamento do conteúdo escolar; seguir o grupo; sentimentos de inadequação com relação aos outros colegas de classe, entre outros.
O ato de cabular aula, isoladamente, pode não ser nada de mais. Faz parte do desenvolvimento normal, principalmente na fase da adolescência, apresentar este tipo de comportamento. Cabe aos pais e à escola investigar as possíveis causas do comportamento e impedir novos episódios.
Muitas vezes, entretanto, esta é a exteriorização de algum sofrimento psíquicoemocional pelo qual a criança ou o adolescente estejam passando. A ajuda de profissionais especializados nestes problemas e nesta faixa etária, poderá minimizar possíveis conseqüências desastrosas para o futuro.
5 - Fuga - uma criança de 2 ou 3 anos pode já apresentar "escapadas" de casa: sair para ir à algum lugar. Há uma finalidade consciente, mas não há ainda uma consciência plena de "transgressão".
Na fuga propriamente dita, além de haver maior clareza, por parte da criança, sobre seu "ato transgressor", não há uma finalidade no comportamento em si. Neste sentido, ele é muito mais preocupante e pode indicar presença de doenças psíquicas ou emocionais na criança.
6 - Destruição - geralmente indica uma descarga de agressividade. A maneira como o adulto lida com isso será fundamental para a evolução deste comportamento, que poderá ser benigna, com sua extinção ou maligna, com evolução para comportamentos delinqüênciais.
Algumas doenças neurológicas ou psiquiátricas podem estar envolvidas e, crianças que apresentam episódios de destruição muito intensos ou muito freqüentes deverão ser vistas por um especialista.
7 - Incendiarismo - é a destruição pelo fogo. Pode iniciar-se numa criança, apenas como forma de ela "medir" o seu poder. Mas pode evoluir de uma maneira bastante negativa, como forma de ato vingativo, tornando-se assim um ato delinqüencial. Neste caso, estará sempre ligado a aspectos de afetividade intensa (ódio, inveja, etc) e poucos recursos para conter estes afetos.
8 - Abuso de drogas - as drogas alteram nosso estado de consciência e, em geral, trazem sensações físicas agradáveis, razão pela qual seus usuários buscam repetir seus efeitos, tornando-se assim dependentes.
Em nosso meio, é cada vez mais precoce a experimentação de substâncias ilícitas. No adolescente a experimentação, por si só, não constitui um comportamento patológico; ela está incluída numa atitude global de busca por novas experiências que lhe façam sentido, na construção de uma identidade. Entretanto, alguns fatores de risco estão associados à manutenção deste uso:
- A curiosidade natural do adolescente é um dos fatores de risco mais importantes, posto ser o que o moverá para experimentar a substância, estando assim sob risco de desenvolver dependência;
- O fácil acesso às drogas e as oportunidades de uso;
- Ser do sexo masculino (meninos experimentam mais do que as meninas);
- Influência de modismos;
- Condições familiares, tanto pelo aspecto genético (filhos de pais dependentes apresentam 4 vezes mais chance de o serem também) quanto pelos aspectos ambientais, fortemente relacionados ao início do uso;
- Uso de drogas por pais e/ ou amigos;
- Relacionamento ruim com os pais;
- Fatores internos do adolescente, como insatisfação e não-realização em suas atividades, insegurança, baixa auto-estima e sintomas depressivos;
- Baixo desempenho escolar.
O uso de drogas afeta diretamente o desenvolvimento da criança e do adolescente, principalmente com relação às funções cognitivas (capacidade de raciocinar, aprendizagem, etc), capacidade de julgamento, humor e os relacionamentos interpessoais. Quanto mais precoce o início do uso, maiores serão as deficiências nestas áreas.
9 - Crueldade - aqui, o impulso destrutivo não é movido pela emoção violenta, mas sim pelo prazer que o indivíduo sente em ver o sofrimento alheio, quer seja de outra pessoa ou um animal. Quanto menor a idade da criança, mais grave serão as conseqüências deste tipo de atitude em seu desenvolvimento.
10 - Violência e conduta anti-social - crianças e adolescentes com comportamentos violentos e "anti-sociais" recorrentes apresentam o que chamamos "Transtorno de Conduta". Dentre suas características, destacam-se:
- tendência permanente para apresentar comportamentos que incomodam e perturbam;
- envolvimento em atividades perigosas e até mesmo ilegais;
- não apresentam sofrimento psíquico ou constrangimento com as próprias atitudes;
- não se importam em ferir os sentimentos das pessoas ou desrespeitar seus direitos;
- não possuem capacidade de aprender com as conseqüências negativas dos seu próprios atos.
O transtorno de conduta está geralmente associado ao baixo rendimento escolar e a problemas de relacionamento com colegas.
É importante lembrar que crianças vítimas de violência podem apresentar comportamentos anti-sociais como reação de estresse.
O tratamento para todos estes transtornos acima citados requer, muitas vezes, as abordagens psicoterápica, medicamentosa ou ambas. Sua duração é, em geral, bem menor que o tratamento do adulto e, quanto mais cedo for iniciado, menor a chance de evoluir para um transtorno crônico na vida adulta, com necessidade de tratamento para o resto da vida.
* Psiquiatra da Infância. Mestranda do Instituto de Psicologia da USP

Projeto Distúrbios do Desenvolvimento do Laboratório de Saúde Mental do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP-USP)
Fonte;Artigo disponível em:http://disturbiosdodesenvolvimento.yolasite.com/resources/MAU%20COMPORTAMENTO%20E%20AGRESSIVIDADE%20NA%20INF%C3%82NCIA.pdf