O
"MITO" DO TDAH: COMO ENTENDER O QUE VOCÊ OUVE POR AÍ
Professor da
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Mestre e Doutor em Psiquiatria e Saúde Mental
Pós-doutor em Bioquímica
Presidente do Conselho Científico da ABDA
Mestre e Doutor em Psiquiatria e Saúde Mental
Pós-doutor em Bioquímica
Presidente do Conselho Científico da ABDA
As dúvidas movem a ciência e permitem o progresso,
porque impulsionam os cientistas a tentar esclarecê-las. Dúvidas, portanto,
representam algo inestimável e imprescindível para todas as áreas da ciência;
para a medicina não é diferente. Existe atualmente um grande número de questões
não esclarecidas sobre diferentes aspectos de muitas doenças; são estas dúvidas
que estão ocupando os cientistas do mundo inteiro neste exato momento e vão
ocupa-los por toda sua vida profissional.
E o que fazem os cientistas? Eles fazem pesquisas
com critérios rigorosos para testar suas hipóteses. Para isto, devem submeter
seu projeto a um comitê de ética e ter cada etapa de seu trabalho avaliada e aprovada
antes mesmo de começar. Quando a pesquisa termina, os cientistas publicam os
resultados em revistas especializadas, para que os conhecimentos não apenas
sejam conhecidos por todos os demais cientistas, como também para que outros
possam verificar os resultados e tentar reproduzi-los para confirmá-los ou
rejeitá-los. A isto chama-se de método científico e é a única maneira de se
controlar os conhecimentos gerados por pesquisas.
Um cientista mal intencionado publicou resultados
fraudulentos? A única forma será verificar os resultados de sua pesquisa (eles
são obrigatoriamente armazenados durante muitos anos). Outro tirou conclusões
erradas a partir dos resultados de sua pesquisa? Basta verificar a metodologia,
conferir os resultados e ver se há outras conclusões possíveis. Alguém recebeu
verba de um patrocinador que potencialmente influenciou a análise dos
resultados? Informações sobre verbas são obrigatórias e caso haja uma infração,
nenhuma revista científica publicará mais artigos deste pesquisador. Existiu
alguma fraude com os dados? É possível saber verificando os materiais originais
da pesquisa e os relatórios publicados; várias revistas publicam imediatamente
editoriais quando descobrem algum tipo de erro ou fraude.
Portanto, somente o método científico nos dá a
segurança de que uma determinada informação é segura, porque deste modo ela
pode ser analisada, verificada, confirmada ou abandonada. Para isso existem as
revistas científicas especializadas que só publicam pesquisas que respeitaram o
método científico e que foram previamente avaliadas por um grupo de
pesquisadores imparciais e com experiência. Quando ocorrem erros, de qualquer
natureza, este é o único modo de eles serem descobertos e corrigidos: através
de publicações científicas padronizadas.
Agora, imagine que alguém lhe diga que “determinada
doença é causada por isto ou por aquilo” ou ainda que “determinado medicamento
causa este ou aquele problema”. Você aceitaria, de bom grado? Sem pedir nenhuma
comprovação científica? Sem pedir para ver os artigos científicos publicados em
revistas especializadas?
Como você pode saber se algo que um profissional de
saúde está dizendo é verdade? Qualquer ideia pode fazer algum sentido e mesmo
assim ser falsa; nem toda lógica é verdadeira, obviamente. Muitas vezes, um
discurso inflamado, aparentemente bem intencionado, é cheio de conclusões que
não tem qualquer fundamento científico e não se baseia em nenhum achado de
pesquisa. No Brasil, frequentemente pessoas fazem discursos e até mesmo iniciam
campanhas sobre saúde baseadas em suas opiniões pessoais ou suas crenças
políticas; ou seja, no que elas “acham”- é o famoso “achismo”.
E quanto ao TDAH? Existem dúvidas sobre inúmeros aspectos
específicos do TDAH, assim como existem com relação ao câncer, ao diabetes,
ao infarto do miocárdio, ao Parkinson, etc. Mas não existe nenhuma dúvida, no
meio científico, quanto a sua existência: o TDAH é um dos transtornos
mais bem estudados em toda a medicina e é descrito por médicos há mais de 2
séculos.
Mas por que algumas pessoas insistem em dizer que
“TDAH não existe”?
Em primeiro lugar, vamos esclarecer quem reconhece o
TDAH como uma doença: a Organização Mundial da Saúde. Além disso, no Brasil,
temos a Associação Médica Brasileira, a Associação Brasileira de Psiquiatria, a
Academia Brasileira de Neurologia e a Academia Brasileira de Pediatria. Você
não acha estranho que alguém conheça “uma verdade” que é ignorada por todas as
organizações médicas?
Bem, o modo mais simples e rápido de terminar uma
discussão sobre “a existência do TDAH” seria pedir que os indivíduos que negam
sua existência forneçam artigos científicos que sustentem sua opinião. Mas eles
jamais o farão, porque tais artigos.... não existem! O seu discurso sempre será
baseado no “achismo” e sempre dará a impressão de que estão lutando por uma
causa justa, para “defender” a população de algum mal terrível. Por outro lado,
artigos mostrando que existem bases neurobiológicas e genéticas no TDAH somam
mais de 10.000 atualmente (isto mesmo, dez mil, você leu corretamente).
Algumas pessoas, talvez, fiquem na dúvida sobre a
existência do TDAH porque “todo mundo tem um pouco”. O que ocorre é que todo
mundo tem alguns sintomas de TDAH; este diagnóstico é feito pela quantidade
de sintomas e não na base do “tudo ou nada”. Exatamente como no diabetes, na
hipertensão arterial, no glaucoma, na osteoporose, etc.: o que dá o diagnóstico
é a intensidade ou quantidade.
Existem também indivíduos que acreditam que todo e
qualquer problema de comportamento (TDAH nem sempre causa problemas de
comportamento, ressalte-se) é causado “pela sociedade”. Geralmente estas
pessoas estão fortemente envolvidas com grupos políticos que pregam
intervenções do governo na sociedade (também chamada de “engenharia social”,
muito comum nos regimes ditatoriais comunistas). Tais movimentos remontam à
ideia comprovadamente equivocada de que os homens nascem invariavelmente bons e
puros e é a sociedade que os corrompe. Estas ideias, que datam do século XVIII,
não sobreviveram aos achados da genética e das neurociências, que não existiam
naquela época.
Outros, ainda acreditam que todo e qualquer problema
psíquico é causado por fatores psicológicos, apesar da farta literatura
científica sobre as bases neurobiológicas e genéticas do TDAH. Desnecessário
dizer que geralmente tais indivíduos ganham a vida fazendo tratamento
psicológico para as doenças; raramente, entretanto, falam sobre o seu próprio
conflito de interesses.
Por fim, ainda há aqueles que tomam conhecimento de
diagnósticos errados de TDAH, de prescrições equivocadas de medicamentos, de
automedicação para fins recreativos ou para aumento do desempenho em provas e
passam então a dizer que “o diagnóstico é falho” ou “o tratamento é similar ao
uso de uma droga”. Não é difícil enxergar que a existência destes erros em nada
comprometem nem o diagnóstico nem o tratamento do TDAH. Pense nos antibióticos:
eles são muito prescritos de modo errado. Usam-se antibióticos, por exemplo,
para infecções de garganta com muita frequência, um uso sabidamente equivocado (elas
são causadas na maioria das vezes por vírus, que não são combatidos com
antibióticos). Nem por isso deve-se abolir os antibióticos, que curam e salvam
vidas quando usados corretamente. O mesmo exemplo ainda serve para aqueles
indivíduos que dizem que “os medicamentos para TDAH são inespecíficos e agem em
qualquer pessoa”: de fato, os antibióticos matam as bactérias em qualquer um,
mas só curam aqueles que estão com pneumonia.
TDAH não é um mito. Muito daquilo que se fala
contrariamente ao seu diagnóstico e tratamento são simplesmente “achismos”,
crenças sem fundamento objetivo ou científico; ou seja, são mitos. E mitos,
definitivamente, não são algo em que você deva confiar quando se trata de sua
saúde ou da saúde de seus filhos.
Fonte:Seg, 21 de Maio de 2012 13:42 Escrito por Paulo Mattos
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